Por que a matemática continua sendo o ponto fraco
da educação brasileira e as idéias dos especialistas para que nossas
crianças se apaixonem por ela
Foto: SXC
Ensino de matemática do Brasil é um dos piores do mundo
Na extensa lista de mazelas da
educação brasileira, uma em particular vem tirando o sono dos especialistas: o déficit no aprendizado da
matemática.
No principal exame internacional de avaliação de estudantes, o Pisa,
sigla para Programme for International Student Assessment, o Brasil
ficou na lanterna no ensino de matemática, entre 41 países
participantes, no teste realizado em 2003, e em 54o lugar, entre 57
países, em 2006. A prova avalia estudantes com 15 anos. Estudos com
alunos brasileiros em outras etapas da vida escolar confirmam essa
tendência. O último teste aplicado pelo Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) mostrou que 80% dos alunos de 4a série, 87% dos de 8a
série e 87,3% dos de 3a série do ensino médio não atingiram a pontuação
mínima adequada. Ou seja, na média, um aluno da 8a série no Brasil não
consegue analisar gráficos de colunas, acha difícil lidar com conversão
de medidas e não tem a menor idéia de como efetuar cálculos de juros.
Pelos padrões internacionais, já deveriam saber tudo isso.
- As más notas...
- são
um sintoma eloqüente, mas ainda não dão a dimensão exata da gravidade
da doença. Ignorar os conteúdos básicos da matemática significa estar
despreparado para a cidadania. Afinal, lidamos com números ao fazer uma
receita de bolo, planejar o orçamento doméstico, decidir se é melhor
comprar um eletrodoméstico a prazo ou à vista ou mesmo ao tentar
compreender as preferências dos eleitores em uma eleição democrática.
Mas o aprendizado da matemática tem um papel ainda maior, conforme
explica a pesquisadora Inés María Gómez Chacón, professora titular da
Universidade Complutense de Madri: é essencial para a formação das
estruturas de pensamento das crianças e dos jovens. 'Matematizar é um
exercício de gerar nexos com a realidade', diz ela. Outro especialista
de renome, João Pedro da Ponte, catedrático em ciências da educação da
Universidade de Lisboa, complementa: 'Contribui certamente para o
desenvolvimento de um pensamento rigoroso e para a compreensão do que é e
do que não é um argumento válido'. Ou seja: vêm aí gerações inteiras de
crianças e jovens que terão maior dificuldade de inserção no mundo
globalizado, onde a chave-mestra é a capacidade de aprender
continuamente.
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- A situação é mais grave...
- nas
camadas menos favorecidas e no sistema de ensino público, mas está
longe de se concentrar nesses estratos sociais. Em 2007, pela terceira
vez, o Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope, ouviu pessoas de
todas as faixas etárias buscando mapear o analfabetismo funcional - num
paralelo com o mundo das letras, esse conceito identifica pessoas que
sabem ler palavras, mas são incapazes de escrever uma carta. A
constatação do trabalho é dramática: pouco menos da metade da população
com idade entre 15 e 64 anos, com ensino médio e superior completos,
pode ser considerada plenamente alfabetizada em matemática. "Comparando
com resultados de anos anteriores, o dado preocupante é que não houve
uma melhora significativa", diz Ana Lúcia Lima, diretora executiva do
Instituto Paulo Montenegro. "É uma catástrofe."
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- Para compreender...
- as
origens do problema, é preciso separar as dificuldades específicas do
ensino da matemática das deficiências estruturais do ensino brasileiro,
como professores desvalorizados, mal formados e sem condições adequadas
de trabalho. Há pelo menos duas ordens de questões: as metodológicas, ou
seja, aquelas relacionadas a o quê e como ensinar, e outras diretamente
ligadas a um preconceito socialmente difundido de que matemática é para
"iluminados". Nesse ponto, os Parâmetros Curriculares Nacionais,
criados pelo Ministério da Educação há dez anos para oferecer um norte
pedagógico aos professores das diferentes regiões do país, são modernos:
prevêem a utilização de estratégias como o uso de jogos e uma
aproximação amigável com o universo dos números. "Mas há uma grande
distância entre a teoria e aquilo que efetivamente chega à sala de
aula", diz a pesquisadora Kátia Smole, uma das autoras do PCN na área da
matemática. Nas escolas brasileiras, desde o ensino fundamental, os
alunos deparam com um conhecimento desconectado da realidade. "Como a
matemática é apresentada por meio de uma linguagem sofisticada e nada
natural, há obstáculos de decodificação", explica Antonio José Lopes,
doutorando pela Universidade Autônoma de Barcelona e autor de livros
didáticos. Para Maria Tereza Carneiro Soares, da Faculdade de Educação
da Universidade Federal do Paraná, consultora do Pisa, esse é um dos
motivos para o insucesso dos alunos brasileiros no Pisa, que cobra um
conhecimento matemático cotidiano e indispensável para o mundo do
trabalho.
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- O que se busca...
- hoje
é tirar da educação matemática o excesso de formalismo da linguagem -
apresentada como se fosse uma sucessão de fórmulas, regras e enunciados
-, de maneira a aproximá-la da vida real, passando a ter mais sentido
para o aluno. Pode ser muito prazeroso descobrir quanto de matemática
existe na confecção de uma pipa ou participar de jogos nos quais a
compreensão das regras passa pelos princípios matemáticos fundamentais. É
essa distância entre modos de ensinar a matemática que separa, por
exemplo, o jovem Mateus Henrique Pedroso Cárdia, 11 anos, de sua mãe, a
professora de educação infantil Sílvia Helena, que não consegue ajudá-lo
nas questões envolvendo números. "No meu tempo de escola, era uma
matéria difícil, teórica", diz ela. No colégio de Mateus, os professores
sempre traçaram paralelos entre a vida concreta e o conhecimento
teórico. "O resultado é que eu sempre tive dificuldades, mas o Mateus
adora; ele me apresenta uma dúvida e logo encontra, pelos próprios
caminhos, a solução."
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- Uma ciência para poucos
- Essa
visão sobre a matemática está por toda parte. A pesquisadora Inés Gómez
Chacón, autora do livro Matemática Emocional (Artmed), analisou o
grande impacto das emoções no aprendizado dos números. Para ela, boa
parte da dificuldade se explica pelo grau de ansiedade e pela
auto-estima dos estudantes. Quanto mais autoconfiantes, melhor o
desempenho com números; já a baixa auto-estima leva a um medo excessivo
de cometer faltas, a uma diminuição no grau de atenção, na memorização e
até mesmo na eficácia do raciocínio. Com base nisso, propõe novas
condutas em sala de aula, mostrando ao aluno que suas idéias são
importantes e que a matemática não é um mundo de certezas, mas também um
conhecimento experimental. O estudo mostra ainda a importância do papel
dos pais no fortalecimento da auto-estima da criança.
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- Aprender os números...
- não
é uma capacidade inata, lembra a pesquisadora Kátia Smole. O aluno
precisa aprender que existem muitos caminhos, e não apenas aquele que o
professor ensina. "Por outro lado, há alunos talentosos e fascinados
pelos desafios da matemática, mas muitas vezes os professores nem
atentam para isso, pois estão centrados nos procedimentos e técnicas",
afirma ela. Não pode haver trajetória melhor do que a do pintor Antonio
Peticov. O artista repetiu cinco vezes de ano, em grande parte por suas
dificuldades com o aprendizado dos números. Hoje, tornou-se famoso em
muitos países porque sua arte incorpora conceitos matemáticos, como a
Regra de Ouro. Baseada em uma seqüência algébrica conhecida como Número
de Fibonacci e muito utilizada no Renascimento, estabelece proporções
geométricas de modo, por exemplo, a guiar a atenção do espectador para
certa seção da obra. Por esse talento, Peticov foi convidado a integrar a
Lewis Carroll Society, que reúne especialistas em matemática das mais
diversas áreas. "Há matemática em tudo, na arte e na vida", diz ele.
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- Fonte: EDUCAR PARA CRESCER
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